Numa entrevista concedida ao Correio Semanal (nº35), o presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, desembargador Sérgio Resende revela que entre as pessoas que estão presas, 80 por cento não têm índole criminosa – por um motivo qualquer estão nessa condição. Sérgio Resende não é do tipo que escolhe palavras bonitas só para impressionar. Ele diz o que lhe vem à mente para defender seus pontos de vista. E vem conquistando espaço em seu meio.
Mineiro de Sacramento, ele ingressou na magistratura em 1966 como juiz de direito da comarca de Poço Fundo e desde 1994 é desembargador do TJMG. Nessa entrevista ele expõe os principais pontos da presidência atual do órgão.
Por que se diz por aí que na sua gestão “o TJ está mais Minas Gerais”?
Eu suponho que seja no sentido da interiorização. É que estamos nos voltando mais para as cidades menores, instalando novas varas e promovendo encontros administrativos. Diferentemente de outras gestões, que foram mais voltadas para a capital. Quando eu tomei posse como presidente, em setembro de 2008, já adiantei que ia dar maia atenção à primeira instância e à instalação de varas.
Mais quais as vantagens dessa interiorização?
Melhora muito porque não se pode investir só em construções dentro de Belo Horizonte. Quanto ao funcionamento da Justiça, eu digo que quanto mais varas, mais juízes – e isso, sim, pressupõe mais rapidez no atendimento à população.
Quais as principais reivindicações que o senhor gostaria de resolver estando à frente do TJMG?
Quando eu entrei, tinha vários planos, vários sonhos. Mas esse é um trabalho administrativo que eu nunca fiz. Agora é que estou podendo ver que a coisa não é bem assim. Aí fico um pouco frustrado, porque a gente pensa que pode fazer muita coisa e não pode. E olha que eu sempre tive um pé atrás, nunca fui desse que ficava cobrando dos colegas. Hoje sei mais ainda como é difícil.
O senhor tem procurado viabilizar também parcerias com outras esferas do poder, não é? Inclusive, por causa delas, foi entregue o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA-BH), certo?
Sim, é uma preocupação minha. Esse centro foi inaugurado em dezembro do ano passado e é resultado da integração entre os Poderes Judiciário e Executivo, por meio da Secretaria de Estado de Defesa Social, do TJMG, da Procuradoria Geral de Justiça, da Defensoria Pública e da Polícias Militar e Civil. Foi um primeiro passo. Em um único prédio congregamos atendimento do Ministério Público, Defensoria e Judiciário.
Por que essas parcelas são importantes?
Veja bem, o orçamento geralmente é de 6 por cento; só que em Minas nós temos a Justiça Militar, que leva 0,9. Então, na verdade, a Justiça Comum tem 5,1 por cento da renda líquida do estado. E tocar um universo desses parcos recursos que nos são repassados é muito difícil. Portanto, é preciso fazer parcerias, cada um tem que ajudar um pouco. O judiciário, tradicionalmente, tem carregado muita coisa nas costas. Os fóruns do interior, por exemplo, querem salas, mas quem paga a conta de luz somos nós. Como já são costumes de muito tempo, não é fácil acabar com eles da noite para o dia. Agora é questão de procurar desenvolver isso.
E quanto ao nosso sistema carcerário, o que senhor acha que precisa ser priorizado para melhorar?
É uma situação tão difícil que a gente não gosta nem de olhar, não é? A realidade é dura. E como não existe pena perpétua, uma pessoa que comete um crime, mais dia, menos dia vai voltar para as ruas. É direito dela, se cumprir a pena. O grande problema nosso é saber como esse pessoal vai voltar para sua comunidade. Como é hoje, nós todos sabemos que ele vai voltar mil vezes pior do que entrou. Uns falam em reinserção social, mas não é reinserção, porque ele nunca foi inserido… é inserção mesmo, sem o re.
Na sua opinião, qual a melhor forma de isso ser diferente?
Tem acontecido alguns projetos, e a Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) é um deles. É um método, um sistema, e não um presídio que se constrói levantando parede. Para funcionar, um projeto desses depende de envolvimento da sociedade e nada é de uma hora para outra. Nas Apacs existem todos os regimes prisionais: o aberto, semi-aberto e o fechado, mas eles não precisam de agente penitenciário. São eles os responsáveis pelo funcionamento do sistema.
E como os condenados são selecionados para entrar em uma Apac?
Há um trabalho feito previamente para saber se ele tem aptidão para ir para lá. Existem estudos psicológicos nesse sentido: entre as pessoas que estão presas, 80 por cento não têm índole criminosa – por um motivo qualquer estão lá. Digo que até mais do que esse percentual, tem os que querem se recuperar. Então, para ver quais vão para uma Apac, um técnico deve falar os que são recuperáveis, os que devem ir. Por isso, lá a gente encontra presos perigosos, que cometeram os crimes mais hediondos, e eles ficam sem nenhuma guarda e fogem. Nesse sistema, planta-se o amor, vale a amizade. Estou convidando o ministro Gilmar Mendes para vir conhecer alguma Apac porque tenho certeza de que se ele vir como funciona, vai comprar nossa idéia e implantar no Brasil inteiro.